A mesa redonda tinha como tema a atuação do professor de história, daí minha fala tomar este foco específico. Apesar disso, a idéia discutida é válida para qualquer professor, inclusive aqueles que atuem fora do sistema escolar estrito. Como enfatizado, por trás de uma questão aparente de títulos – como o historiador, o matemático, o biólogo etc. - o debate real se dá entorno do posicionamento político destes professores. A escolha entre atuar como “repassador” de conteúdos ou co-criador de conhecimento junto aos demais envolvidos, sejam alunos, outros professores, pais...
Mais do que isso, “criar conhecimento” não significa apenas dar abertura para que os alunos dêem suas opiniões sobre um assunto pré-determinado pelo currículo da escola. Tampouco se limita a levantar temas pontuais de interesse dos estudantes para depois formatá-los nos padrões clássicos da aula expositiva ou de dinâmicas mais ou menos divertidas nos limites da cela de aula.
Criar conhecimento, na minha visão e no que procuro fazer cotidianamente em minha própria prática política e profissional, é tentar alargar espaços. Espaço de pensamento, quer dizer, do que já se conhecia, gostava, interessava; espaço de relacionamento, especialmente entre estudantes e destes para com as “autoridades” escolares (incluindo, sobretudo, o próprio professor – eu mesmo) e, o mais importante para nossa atualidade em minha opinião, espaço social que os estudantes possuem como co-criadores da escola. Este último é o mais restrito de todos, mais apertado do que a área da própria cela de aula.
Os alunos depredam o patrimônio escolar? Quebram torneiras, escrevem nas paredes, roubam peças dos computadores, arrancam grades, colocam fogo nos banheiros e biblioteca? Sejamos sinceros: isso é de se espantar? Alguma destas coisas foi construída por eles? Houve sua participação nas decisões que implementaram as regras de convivência, a estrutura física, as disciplinas e conteúdos, distribuição de pontuações, quem são seus professores? Como esperar respeito e vontade de bem-cuidar sobre algo que não se reconhece como seu, pelo contrário, que só se torna mais e mais estranho com o passar do tempo e a cada vez maior perda de autonomia das unidades escolares frente às secretarias de educação?
Os estudantes são muito mais perspicazes que se pensa: eles percebem facilmente, e reagem frente a isso de pronto, a balela do discurso da “propriedade pública”. “A escola é feita com dinheiro público, logo, é de todos e sua também!” – choraminga a diretora frente aos alunos do oitavo ano que quebraram pela quarta vez no ano o ventilador de sua cela. Mas aqueles jovens percebem muito bem – talvez não te digam isso com a “racionalidade” do discurso formal que você espera – que aquilo não tem nada de público; aquilo é sim propriedade estatal.
Não, eles não vão saber te falar o que é “Estado”, “estatal” ou coisas assim, só que se você perguntar direito e com sinceridade, eles vão te falar claramente que quem montou aquele espaço não foram eles, foi uma força exterior, poderosa, mas indefinida, sem rosto e sentimentos. Quem montou aquele espaço físico da cela, quem inventou o espaço social deles como “alunos”, como “cidadãos do amanhã” (e não de hoje, deixando por enquanto de lado essa discussão sobre “cidadania”). Quem nomeou aquele professor foi um sabe-se-lá-quem que nunca viu o cara dar aula, não sabe e não quer saber as besteiras que ele diz e como trata os estudantes.
Construir conhecimento é construir experiências de alargamento destes espaços, e não simplesmente fazer um poema sobre “meu bairro” para ser pregado no mural oficial da escola (se é que pelo menos isso existe na sua escola...). É, no, limite, voltar-se em conjunto com os demais envolvidos nisso tudo contra a escola. Contra essa escola.
Não há receita para isso. Minha experiência particular não pode ser aplicada em sua escola e vice-versa, entretanto podemos refletir sobre nossas experiências mútuas (mais práticas que livrescas, por favor) para potencializar nossas reflexões e ações, que, no limite, deverão ser coletivas.
Entre em contato conosco, vamos construir coletivamente alternativas e experiências para formas de educação tendo em vista, agora e no futuro, autonomia e anarquia.
Fabrício Monteiro é doutorando em História pela UFU ( Universidade Federal de Uberlândia); professor da rede pública municipal de Uberlândia; autor do livro “ O Niilismo Social: anarquistas e terroristas no século XIX”( Annablume, 2010) e membro do Coletivo Mundo Ácrata.
*Trabalho originalmente apresentado na Mesa Redonda “ Profissão professor e ensino de História”, durante a Semana de História da UFU, que teve como tema “ Função social do historiador: teoria, historiografia e ensino de História”, realizada entre os dias 31 de outubro e 05 de novembro de 2011. Áudio da palestra disponível em: http://www.4shared.com/file/yW40Net8/Mesa_Redonda_Semana_de_Histria.html
Gostei do texto e gostaria de acrescentar que hoje em dia não dá mais pra esperar que os jovens aceitem a tentativa do Estado inserir em suas vidas aquilo que se julga conveniente. Estamos vivendo uma fase onde a padronização do pensamento ja não se encaixa mais. Estamos vivendo a fase da relativização das coisas. Nada mais é como era há 20, 30 anos.
ResponderExcluirOu o mundo acompanha a própria evolução, ou vamos nos ver em situações cada vez mais complicadas.