Ao
longo desse tempo com o Mundo Ácrata (e antes, sozinho) venho tentando testar
práticas da educação anarquista nas escolas em que trabalho. Muitas atividades
deram certo, tendo uma boa participação e compreensão dos alunos, de alguns
colegas e pais, outras nem tanto, como é de se esperar, causando estranhamento
e alguns conflitos internos na escola.
O problema é que de um tempo para cá (nos últimos dois anos, mais ou menos) a
coisa vem estado cada vez mais difícil; estranha até. Onde antes eu conseguia
criar um diálogo com os alunos e construir propostas em conjunto, está surgindo
cada vez mais um problema de indisciplina que posso chamar de “bruta”, meio
“animalesca”. Sei muito bem diferenciar a indisciplina como revolta dos alunos
(revolta contra a escola, o professor, a sociedade em geral) e não é disso que
estou falando. Cada vez mais vejo alunos que tentam sinceramente participar,
construir a aula, mas que – alguns me dizem isso com todas as palavras! – eles
mesmos não conseguem se controlar! É como se uma agitação interna, um grito
incontrolável estivesse a todo tempo surgindo de seu interior, mesmo que
racionalmente eles saibam que isso não é construtivo para eles. Mesmo
atividades reconhecidas por eles como agradáveis (como os filmes, músicas,
jogos etc.) são agora minadas por um número crescentes de colegas (muitos) que
simplesmente não conseguem se concentrar ou não conhecem outros recursos de
lidar com situações de conflito a não ser utilizando-se da violência
(simbólica, verbal e física). E vocês sabem como isso é contaminante para os
jovens.
Isso não é algo que se resolve apenas com “esclarecimento”! Com puro diálogo
(que já são, a priori, dolorosos de se estabelecer). Há algo anterior aí, algo
mais visceral, animal, corpóreo. Algo mais ligado com uma relação consigo
mesmo, que obviamente é construída com ajuda dos outros, mas que para esses
alunos não foi elaborado de forma minimamente segura desde a primeira infância
(problemas com os pais, ou falta deles; muita violência doméstica; muita
violência social; muita falta de oportunidade para experimentar a concentração,
a reflexão e a leitura – que basicamente é um voltar-se para si).
Daí, como não sou psicólogo – e também não acho que somente a psicologia dá
conta do recado – venho tentando pensar em um instrumento (entre inúmeros
outros) que possa ajudar na construção dessa relação positiva consigo mesmo, e
forçosamente, com isso, com os outros. Algo que parta desse visceral, do corpo
e da mente bruta: veio-me a possibilidade do uso da arte marcial.
Com amigos da área, criamos o Grupo de Estudos do Caminho Marcial Chinês (que
na realidade não se restringe ao chinês, mas é de onde partimos pela nossa
experiência). Vamos iniciar a experiência em uma academia aqui em Uberlândia
antes de tentarmos partir para um público mais amplo, por exemplo, com escolas.
Faremos aulas de kung fu juntamente com debates e discussões (abertos a todos,
inclusive não-alunos da academia) sobre a filosofia, a ética, a história e a
cultura marcial. Vocês vão perceber que a linguagem utilizada é bem diferente
do que usamos nos textos e aulas da faculdade e escolas regulares ao falar, por
exemplo, do anarquismo. A pedagogia aqui é diferente, mas o ideal da construção
da autonomia é o mesmo.
Neste exato momento nosso desafio é abrir o diálogo com outros praticantes da
cidade, propor união e apoio mútuo. Obviamente esse está sendo um trabalho bem
difícil quando a maioria vê o “crescimento” da arte marcial apenas através da
realização de campeonatos e eventos grandiosos que possam atrair a maior
quantidade de alunos possível. Não como um Caminho (Tao), como conduta de vida.
Acompanhem nossas atividades e esforços por nosso blog. É onde também estamos
colocando os resultados de nossas pesquisas (temos uma pesquisa própria nesse
momento). Principalmente: por favor, divulguem-no o máximo possível o blog e se
aparecerem pessoas interessadas nas atividades (aulas de kung fu e/ou debates e
pesquisa) estimulem a entrar em contato conosco!
Fabrício
Pinto Monteiro é membro do Coletivo Mundo Ácrata, professor da educação básica
da rede municipal de Uberlândia, doutorando em História na UFU e autor do livro O niilismo social:
anarquistas e terroristas no século XIX ( Annablume, 2010)
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