segunda-feira, 11 de julho de 2011

Bakunin, Mikail . Deus e o Estado, São Paulo: Imaginário 2000*



Esta obra é um escrito de circunstância, como muitos de Bakunin ao longo de sua vida atribulada. Nem por isso deixa de ser uma obra fundamental para história do socialismo mundial e, mais especificamente, para o anarquismo. Como um relato, talvez mais visando à oratória, cuja arte era mestre, do que um destino final de um livro, ele é um fragmento e termina abruptamente dando-nos um “gostinho de quero mais”.
O tema do livro é um dos mais recorrentes na vida deste revolucionário libertário que abdicou de toda a sua fortuna e aristocracia, do seio da qual saiu, para passar grande parte de sua vida atrás das barricadas juntos aos operários lutando contra o Estado burguês e a religião. Assim, no livro Bakunin procura demonstrar a relação intrínseca entre Estado e religião representada por Deus e começa:"Três elementos ou três princípios fundamentais constituem, na história, as condições essenciais de todo desenvolvimento humano, coletivo ou individual: 1º a animalidade humana; 2º o pensamento; 3º a revolta. À primeira corresponde propriamente a economia social e privada; a segunda, a ciência; à terceira, a liberdade" [1].
A partir desses três elementos Bakunin irá “destruir” as justificativas que sustentam a idéia de Deus e do Estado. Do primeiro, “a animalidade humana” ele vai se apoiar para exigir uma história científica do desenvolvimento da humanidade a partir do evolucionismo, “racionalmente, [admite] a transição progressiva e real do mundo denominado inorgânico ao mundo orgânico...”. “O pensamento” que culmina com a ciência moderna é o momento histórico que permite aos homens refletirem sobre si mesmos e descobrirem que o poder emana dos próprios homens e não de um ser divino mais elevado que eles e que, assim, se estão sendo explorados não é para viver um futuro melhor em uma outra vida, um paraíso, ou seja lá o nome que se quer dar ao resultado de uma representação ideológica do poder, portanto, e aí vem o terceiro ponto a que se refere Bakunin, a revolta além de ser um “instinto humano” porque, segundo ele, é a reação natural a todo ser, mesmos os animais, que sofrem algum tipo de violência. Para efetivar a condução dessa revolta contra o Estado burguês constitui o sentido do seu discurso.
Em todo o texto, Bakunin argumentando a partir da ciência, de um materialismo proudhoniano: “... os fatos têm primazia sobre as idéias; sim o ideal, como disse Proudhon, nada mais é do que uma flor, cujas condições materiais de existência constituem a raiz. Sim, toda a história intelectual e moral política e social da humanidade é um reflexo de sua história econômica” [2], procura combater os idealistas que se utilizam de uma metafísica (para além da matéria) para legitimar as injustiças da exploração estatal e industrial, retro-alimentada e tendo como cúmplice a religião que pela idéia de Deus impõe a hierarquia “natural” de reis “divinizados” e letrados com a posse do saber transformada em poder que, por isso, torna-se opressor.
Ainda no início de seu texto, Bakunin faz uma síntese de seus pontos problematizadores: “O homem se emancipou, separou-se da animalidade e se constituiu homem; ele começou sua história e seu desenvolvimento especificamente humano por um ato de desobediência e de ciência, isto é, pela revolta e pelo pensamento”. [3] Nesse sentido, a ciência jamais pode ser usada para impor a opressão, pois, “Disso resulta que ciência tem por missão única iluminar a vida, e não governá-la”. [4]
E assim,"Sobre esta natureza fundam-se os direitos incontestáveis e a grande missão da ciência, mas também sua impotência vital e mesmo sua ação malfazeja, todas as vezes que, por seus representantes oficiais, nomeados, ela arroga-se o direito de governar a vida. (...) Numa palavra a ciência é a bússola da vida, mas não a vida. (...)" [5]
E para lembrar e não mistificá-la: “... a ciência nada mais é do que um produto material de um órgão material, o cérebro”. E continua para evitar que se faça um mau uso da própria arma que aponta para o Estado burguês encoberto pela ilusória religião:
"A vida é fugidia e passageira, mas também palpitante de realidade e individualidade, de sensibilidade, sofrimentos, alegrias, aspirações, necessidades e paixões. É somente ela que, espontaneamente, cria as coisas e os seres reais. A ciência nada cria, ela constata e reconhece somente as criações da vida". 
[6]
Dessa forma, seu texto fora construído, embora, contra idealistas, ainda como um bom hegeliano, percorrendo uma espiral crescente que sempre retorna aos princípios norteadores para desenvolvê-los com mais afinco, contrapondo-os às teses que julga mais desenvolvidas, para, a seguir, anti-teticamente, negá-las e “destruí-las” com argumentos também mais desenvolvidos e eficazes.
Nesta discreta resenha dou reconhecido destaque para o que é uma das atualidades de Bakunin: sua oposição a uma ciência dogmática.

Adonile Ancelmo Guimarães é Bacharel e Licenciado em História, Especialista em Ética e Filosofia Política e Mestre em História Social pela UFU ( Universidade Federal de Uberlândia).
Notas

*Resenha originalmente publicada no “Blog do Adonile”, Uberlândia, Dez, 2007.Disponível em: http://adonile.blogspot.com/2007/12/bakunin-deus-e-o-estado.html. Alguns exemplares deste instigante livro podem ser encontrados em nossa distribuidora. Caso se interessem, entrem em conato conosco através do e-mail:coletivomundoacrata@gmail.com. 

[1] BAKUNIN. Deus e o Estado., p. 13.

[2] Ibidem, idem, p. 14.

[3] Idem, p. 17.

[4] Idem, p. 62.

[5] Idem, p. 61-2.

[6] Idem, p. 61.

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