sábado, 25 de fevereiro de 2012

Teatro operário em São Paulo (1902-1930): Cultura e Sociedade em Cenas Anarquistas.( elementos teóricos para uma discussão conceitual)




 A imigração para o Brasil representou mudanças culturais acentuadas na Primeira República. Esse fluxo migratório saía de seus países em busca de trabalho e melhores condições de vida, porém não era bem isto que encontravam cá. Segundo Petrone[1], cerca de 33% destes imigrantes eram italianos, e grande parte destes dirigiam-se para São Paulo, o estado considerado o maior receptor de imigrantes, que chegavam atraídos, em boa parte, pela expansão da economia cafeeira e pela política publicitária do governo no incentivo a imigração estrangeira (concessão de passagens, alojamento e outras propagandas).
Sobretudo, com o desenvolvimento das indústrias foi possível a absorção de grande parte destes trabalhadores na zona urbana, uma vez que a constituição da burguesia brasileira se caracterizou por um elevado entrosamento entre famílias de cafeicultores e de empresários-imigrantes, principalmente por meio de casamentos, segundo Sônia Mendonça[2]. Entretanto, as condições de trabalho do operariado na Primeira República eram bastante desfavoráveis, alguns chegavam a trabalhar 15 horas por dia, de segunda a sábado, às vezes, forçados a trabalharem no domingo também, quando demitidos não tinham direito a indenização, tampouco a aviso prévio.
Os donos das industrias não tinham o mínimo cuidado para com a higiene e saúde do trabalhador no interior dos locais de serviço, o que propiciava uma série de doenças e acidentes de trabalho, onde as principais vítimas eram crianças operárias.


Os trabalhadores menores, de 7 a 14 anos, eram as principais vítimas dos mestres e contra-mestres, que os castigavam com espancamentos, sopapos, pontapés e puxões de orelha (…) Os mestres e contra-mestres também seduziam mulheres operárias em troca de máquinas mais produtivas ou de melhores salários. Caso não cedessem a essas propostas, elas eram perseguidas com multas, descontos ou máquinas enguiçadas.[3]


Os inúmeros acidentes, os baixos salários, as longas jornadas e o excesso de autoritarismo provocavam protestos, em diversas formas possíveis, e reivindicações dos operários. Dentre estas formas de protestos, um importante pensamento ideológico ganhou voz: o anarquismo. Vários foram os meios para divulgarem este ideal, dentre os quais nos detivemos em um modo de expressão que vai englobar outro conjunto cultural mais amplo, o teatro operário.
O teatro operário ou social foi um evento fortemente presente na cultura dos trabalhadores brasileiros, principalmente imigrantes, a partir do final do século XIX. Assim, Vera Collaço nos conta do surgimento de um teatro amador realizado por trabalhadores em 1897 no Rio Grande do Sul. Segundo a historiadora este teatro realizado na cidade de Rio Grande (RS) foi sempre de caráter moralizador, pedagógico e possuía um discurso ideológico de apelo às massas, tendo fortes influências anarquistas e socialistas em seus primórdios, mas transformando-se em conservador ao passar dos anos.[4]
Posto que este teatro organizado inicialmente por trabalhadores do Rio Grande de Sul perdurou até a década de 50, podemos ver como o período de divulgação de ideias e conscientização dos trabalhadores se estendeu ao longo do século, sob tais configurações de mensagens políticas e ideológicas também se organizou um teatro operário de importante expoente sindical brasileiro, na região de São Bernardo do Campo entre as décadas de 70 e 80 do século XX. A historiadora Kátia Paranhos nos conta sobre intenções de educação sindical como estratégia de luta por melhores condições de trabalho, dirigentes sindicais se misturavam-se a trabalhadores e a um ator e diretor profissional teatral, na promoção deste evento.[5]
De acordo com Gabriel Passetti, o teatro operário em São Paulo era realizado geralmente no Bairro do Brás, onde morava grande parte dos imigrantes, e situava uma parcela das pequenas indústrias de imigrantes italianos[6].
É imprescindível, portanto, discutir a importante contribuição que Maria Thereza Vargas deu ao assunto em sua obra, Teatro Operário na cidade de São Paulo, de 1980. Pretendemos mais do que reconhecer o trabalho da autora, também utilizá-la como obra principal para o norteamento do artigo, uma vez que é escassa a quantidade de discussão e fontes para o tema.
Maria Thereza remonta fragmentos de jornais anarquistas, notícias, anúncios, balancetes financeiros e trechos das peças divulgados, para demonstrar evidências de um teatro operário, concomitantemente a publicação das primeiras edições de jornais ideologicamente libertários. Contudo, ela supõe que os teatros operários surgiram pouco após a chegada de imigrantes europeus, principalmente italianos, ao Brasil. E que, portanto, antes da atividade gráfica, já havia o encontro teatral operário mesmo que silenciado até a criação da imprensa operária.
O teatro era extensão de organismos de proteção e ajuda mútua voltados para os trabalhadores recém chegados ao Brasil,  e tinham intenções didáticas de preparação destes imigrantes às condições de vida do operariado brasileiro.


A origem desta concepção didática doutrinária do teatro está ligada certamente a composição étnica da classe operaria. São os italianos, como parcela numericamente mais significativa da composição da classe nesse início de industrialização, que assumem e impõem continuidade à atividade teatral. O teatro é aqui o surgimento de uma experiência anterior, em solo italiano, largamente desenvolvida durante às lutas sociais do período de unificação. De forma muito particular, a divulgação das teorias sociais libertárias se processa idealmente através da arte. [7]


   Luigi Molinari valida a capacidade de instrução para as massas que o teatro possui. E um teórico anarquista, Hebert Read, explicita o veículo da arte enquanto projetista de uma sociedade ideal que coadunaria harmonia coletiva e liberdade individual, surgindo como expressão cotidiana capaz de transformação social através da prática política.
Adiante, verificando os lugares onde eram realizados os teatros, vemos que a busca resulta em locais alugados geralmente utilizados para conferências e números musicais, funcionando mais precisamente como auditórios do que propriamente em peças de teatro.


Antes de mais nada, interessa a esse teatro a clareza na transmissão de uma ideia já formulada no discurso verbal. E é sobre a palavra que se apoia o espetáculo, ignorando o poder de sedução da imagem. Operando sobre a consciência do espectador, o teatro deve comover através da identificação de problemas. [8]


 O apelo ao teatro era realizado oralmente nas fábricas convidando toda a classe operária e muitas vezes também através da imprensa operária. A apresentação do teatro era apenas uma das atividades desenvolvidas durante a Festa Operária que acontecia geralmente no sábado a noite, até a madrugada de domingo; com incursões de rifas, cantos, conferências, outras atividades artísticas e no encerramento o baile, que podia durar várias horas. Entretanto, havia diversos atritos com ideólogos e/ou grupos teatrais “mais engajados politicamente”, que não viam com bons olhos as realizações de bailes, dizendo por vezes que estes eram um desperdício de energia, que poderia ser melhor empregada em ações políticas e ideológicas. Nota-se a luta de classes evidente, entre o discurso dos dirigentes operários, que organizavam as apresentações e a cultura dominante, acentuados pela tensão separatismo/assimilação, uma vez que no intento da invenção de uma sociedade sem-governo fundada sob a ordem anarquista os parâmetros culturais se confundiam com os da cultura dominante. Mais do que isso, existe a contradição entre o discurso da direção da classe e próprio discurso da classe[9], como chama a nossa atenção Hardman.
Outro ponto colocado por Maria Thereza é a destinação que os fundos gerados pelas festas eram utilizados. “Com frequência maior destina-se a renda aos periódicos libertários. Mas há também ‘benefícios’ em nome de companheiros doentes, presos ou exilados”[10] Por vezes esta renda do sábado festivo era destinado também a construção de escolas para filhos de operários, conhecidas como Escolas Modernas, além de sustentarem ajuda a grupos internacionais anarquistas.
Para dar voz ao documento no relato sobre a presença de mulheres e crianças, cabe aqui ressaltar a participação ativa da família operária nestes eventos culturais, como mostra Maria Thereza:


É comum que a programação de uma festa se modifique durante o espetáculo, incluindo um ou outro número musical e poético por solicitação da platéia. Qualquer pessoa pode ter acesso ao palco e contribuir com o número que desejar. Da mesma forma que a propaganda doutrinária se dirige à família operária, o teatro é feito e freqüentado por todos os membros da família operária.[11]


 Edgar Rodrigues, outro importante pesquisador do anarquismo no Brasil, não produz uma obra especificamente tão detalhada sobre nosso objeto de estudo quanto Maria Thereza Vargas, entretanto dedica um capítulo especial, relativamente curto, de sua renomada obra Nacionalismo e Cultura Social , ao Teatro Operário.
O autor data o início do Teatro Operário em 1903 e salienta que compostos por modestos trabalhadores, grevistas, anarquistas, perseguidos políticos, passavam por vezes alguns deles, evolutivamente de atores amadores no início do século à condição de profissionais mais tardiamente. Explica, além disso, que o sucesso de algumas peças era tão grande que estas foram repetidas por diversas apresentações.
Edgar caracteriza o teatro como um meio difusor de idéias libertárias, que evidenciavam simbolicamente em seus personagens: os que desejavam segurar a riqueza da nação e o poder nas mãos de poucos em prejuízo de muitos, e dos que desejavam transformar a nação numa sociedade de homens livres e iguais em deveres e direitos”. [12]
Todo o caráter de transformação social iniciada nas estruturas mentais dos espectadores e de solidariedade mútua promovida pelo teatro operário é abordado através do pensamento do autor.


O teatro social, cultivado pelo proletariado, alcançou grandes objetivos. Foi o mais poderoso veículo para instruir, educar, formar mentalidades humanistas, angariar fundos que sustentavam famílias de presos, de deportados, que socorreu doentes, desempregados, enfim, foi meio eficaz com efeito simultâneos, incluindo-se o da solidariedade social.[13]


Longe da proposta, a priori, de esmiuçar longamente ou promover um debate acirrado sobre os preceitos ideológicos e vertentes autorais que envolvem o objeto de estudo, o presente exercício intelectual, se propõe humildemente em trazer um pouco de “caos” às interpretações historiográficas escassas sobre o tema Teatro Operário relacionado a uma cultura “anarquista”.
Posto que o material é desconhecido por gigantesca maioria acadêmica, ainda maior fora dos muros que cercam a erudição e sapiência, então que a primeira intenção, quiçá principal, seja de levar este material documental de grande valor e significado, para um importante grupo presente e atuante nos primórdios do republicanos brasileiros, e que tanto tem relação com nossos dias atuais.
A primeira e significativa dificuldade na pesquisa sobre o Teatro Operário é a escassez de fontes e por consequência uma rica discussão historiográfica. Poucos se aventuram nestes mares perigosos e desconhecidos, ainda mais se tratando de um assunto tão marginalizado cotidianamente no senso comum. Este fator é determinante para que alguns sejam bem concisos em suas dissertações. Enxergamos aqui este silenciamento de fontes exposto nitidamente na repressão promovida pela polícia política a estes grupos, como era noticiado em jornais da época. Com a intenção de controlar insurreições e possíveis greves incentivadas por lideranças e organizações ideologicamente anarquistas destas atividades sócio-culturais operárias, o policiamento praticava estas incursões “preventivas”.
Tratando  de um período mais a frente  da república, em 1930, quando Getúlio Vargas após assumir o poder presidencial, cria órgãos que vão aos poucos silenciando o teatro “anarquista”. O historiador Gabriel Passeti conta em um artigo o papel da DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que procurava controlar a produção cultural do país, impedindo a realização de peças teatrais e conferências anarquistas e de teor socialista e anti-capitalista no Brasil. Oferecendo mais tarde outra forma de cultura que se adequasse melhor com o governo nacional que começava a vigorar, o cinema burguês americano.[14]
Partindo da prerrogativa que o teatro pesquisado é amador, interessante é assinalar as dissonâncias presentes nas historiografias consultadas sobre estas atividades artísticas. Talvez por escolha dos autores de demonstrar os pressupostos anarquistas envolvidos no evento, não houve intenção, ou prevaleceu à indiferença de pesquisar mais detidamente as origens e transformações que passaram os teatros operários, interessando-os apenas como chamarizes de uma imprensa anarquista.
Todavia, tomando por base uma pesquisa na área de artes e comunicação, o pesquisador Miroel Silveira vai datar o surgimento das primeiras “sociedades filodramáticas idealistas” em 1895, já com apresentações de peças retiradas de matrizes italianas por um viés notoriamente político. Em 1897, um jornal em italiano noticia a apresentação de Paolo Ferrari, encenando Bruno ‘il dilatore’. [15]
Um dos eixos condutores deste trabalho é o de apresentar um teatro fundamentalmente anarquista, contudo após a verificação das fontes primárias trazidas pela historiografia, a visão unilateral se tornou incômoda e problemática. Havia muitos embates internos e externos referentes aos grupos operários, não existiu no objeto de estudo uma vertente anarquista una, pura ou dotada de pedigree. Estes confrontos ideológicos são latentes até mesmo dentro pensamento anárquico (bastante plural), considerado paradoxalmente doutrinário, libertário, pacifista, violento. Além disso, se encontra relevante dificuldade no tratamento e apropriação que a historiografia usa do  termo “anarquismo”, não caracterizando precisamente outras vertentes existentes neste período. Por exemplo, anarco-comunismo, anarco-sindicalismo ou sindicalismo revolucionário. O principal ponto de cisão que os anarquistas elegem ao criticar os sindicalistas-revolucionários é o caráter de melhoramento no sistema vigente que estes preconizam, ou reformismo, contrariamente ao pensamento mais radical do anarquismo que pretende uma aniquilação promovida no sistema.[16]
Exposto isso, não podemos dizer que a atividade teatral tinha cunho integralmente anarquista, seria muito simplista uma adjetivação neste nível, apenas causadora de impacto semântico, igualmente ideológico. Mesmo que a apresentação teatral tivesse moldes textuais essencialmente anarquistas, esta mesma apresentação era apenas parte de um evento ou cerimônia sócio-cultural que envolvia atividades diferentes tão ou mais importantes para aquela comunidade quanto o teatro anarquista, presente na festa operária. É exatamente o teor e decorrência da festa operária que gostaríamos de tratar mais afinco, uma vez que a apropriação destas pessoas parece dissidente do que consideram a historiografia consultada.
Que o teatro operário anarquista tinha o objetivo de conscientizar o operariado sobre os problemas vivenciados com a exploração de mão-de-obra capitalista e elidir através deste contraste os ideais libertários, isto está provisoriamente fora de contestação após a leitura e análise da historiografia. Entretanto, a forma que a sociedade envolvida se apropriava destes eventos culturais é um ponto para repensar. Ainda além, dizer que o teatro operário anarquista desenvolveu uma consciência de classe é um tanto quanto forçoso.
O jornal “A Plebe”, nos conta aspectos interessantes sobre a realização do teatro. Notamos a presença de crianças e mulheres na “plateia”, o que denota o caráter social de participação de todos os membros da família operária e não somente do homem. As festas operárias aconteciam no sábado, dia em que os trabalhadores dispunham do único tempo na semana, tanto para o descanso, quanto para o lazer. Posto que algumas jornadas de trabalho pudessem durar até 15 horas, há de se convir que os operários não compareciam nestes eventos apenas para beberem uma dose de fundamentos anarquistas.
Um dos documentos mostrados por Maria Thereza Vargas revela a programação do sábado festivo, percebemos que o baile acontecia sempre por último, uma oportunidade de sociabilidade operária que durava até a madrugada de domingo, já, segundo ela, sem a presença das crianças. A averiguação do formato deste baile, o pensamento dos organizadores do evento e participação massiva da sociedade operária, é um ponto interessante de pesquisa, me questiono se a ocasião seria tão atrativa sem o desenvolvimento do mesmo. Paul Lafargue em seu originalíssimo “Direito à preguiça”, inverte a lógica de luta dos movimentos sociais trabalhistas e defende claramente a descontração e o extravasamento no lazer operário, como uma forma de resistência a imputação brutal que a longa jornada de horas na labuta condicionava os trabalhadores.


Uma estranha loucura dominou as classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Essa loucura traz como consequência misérias individuais e sociais que há séculos torturam a triste humanidade. Essa loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda que absorve as forças vitais do individuo e de sua prole até o esgotamento.[17]


 Outra evidência do viés sociável da festa são os locais onde são realizados os eventos, enquanto Maria Thereza bate na tecla da preocupação da organização em funcionar mais como difusão das ideias libertárias, pois o público ficava de pé, (não havia cadeiras fixas) para ouvirem atentamente a transmissão das mensagens presentes nos roteiros do teatro. Contudo, nos parece mais conveniente à ideia de um lugar de fácil trânsito para as pessoas e de um espaço necessário para a realização do baile, sendo estes lugares salões abertos.
A favor desta interpretação, ganha mais força pensar que estes eventos aconteciam em bairros principalmente industriais, (inclusive no documento abordado pelo trabalho verificamos o Cassino Penteado, próximo a Fabrica Penteado, situado no bairro do Brás), regiões do município onde as realizações de eventos culturais alheios a esta temática não eram comumente  desenvolvidos neste bairro. Além disso, é particularmente imprescindível entendermos a busca de espaço que havia pelos trabalhadores, uma vez que estes eram segregados pela classe dominante que os viam em condições duplamente perigosas, assalariados e estrangeiros.[18]
É inegável que a realização e perduração relativa deste teatro operário sequer tivesse sido concretizada sem a ajuda, divulgação e incentivo da imprensa anarquista e os grupos ideológicos envolvidos; até porque os ingressos eram vendidos e/ou distribuídos pelos jornais e folhetins anarquistas. A renda, geralmente, era beneficente ao financiamento dos próprios meios de comunicação anarquista, e destinada a famílias ou membros de militância política da causa. Todavia, verificando sobre a renda e os ganhos na festa, percebemos que o total era de valor ínfimo, incapaz de servir para uma ajuda econômica significativa às famílias, quanto mais a financiar grupos de anarquistas internacionais. Preferimos concordar com Edgar Rodrigues que ao abordar o assunto, diz que estes valores arrecadados eram doados simbolicamente em gesto de solidariedade.
Para finalizar, é bastante relevante ver claramente que os aspectos relacionados ao lazer, a diversão e, quiçá, a fruição, funcionavam como elementos subjacentes e ferramentas úteis na luta contra a exploração de um modelo econômico opressor, como bem apontou Lafargue. Não precisamos nos esconder em roupas de super-heróis ou através de uma ética disciplinadora e robótica para lutarmos por aquilo que acreditamos ser essencial para sociedade e para nós mesmos.  Em vista disto, não enxergamos problema algum em desconstruir determinadas explicações que identificam o movimento anarquista como uma continuidade intocável, progressiva e harmônica. Pelo contrário, como o próprio nome diz, movimento é algo que pode se direcionar em várias posições, sem necessariamente, perder o que o torna mais autêntico e sedutor para os anarquistas. Ou seja, a criação e a imprevisibilidade. Pois existem muitas anarquias pululando dentro do anarquismo.


 Munis Pedro Alves é graduando em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e membro do Coletivo Mundo Ácrata.

Notas:

*Artigo originalmente publicado em Eidos info-zine, Patos de Minas, 28, Fev, 2011. Disponível em: http://wwweidosinfozine.blogspot.com/2011/02/artigos-teatro-operario-em-sao-paulo_24.html

[1] PETRONE, M. T. Schores. Imigração. In: Boris Fausto (org.) História geral da civilização brasileira. São Paulo, Difel, 1985. v. 9. p. 93-133.

[2]MENDONÇA, Sônia. A industrialização brasileira. São Paulo. Moderna, 2000. p. 20

[3]RIBEIRO, Maria Alice R. Fábrica e cidade. In: Revista Trabalhadores. Campinas, Fundo de Assistência à Cultura, 1989. p.13

[4]COLLAÇO, Vera. Intencionalidades didáticas do teatro para o trabalhador. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008, disponível em www.anpuhsp.org.br.pdf

[5]PARANHOS, Kátia. Militância, arte e política: O teatro engajado no Brasil pós-64. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/062/62paranhos.htm

[6]PASSETI, Gabriel. Cultura no Brás no Início do Século: Teatro anarquista e cinema burguês. Disponível em  www.klepsidra.net/teatroanarquista. Acessado em 17/10/09

[7]VARGAS, Maria Thereza. Teatro Operário na cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento de Informações e Documentação Artísticas, Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1980. Pp.18-19.

[8]Idem. Pp. 25.

[9]HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem patrão!: memória operária, cultura e literatura no Brasil/ Francisco Foot Hardman. - 3. ed.rev. ampli. - São Paulo: Editora UNESP, 2002, p.55.

[10]VARGAS, Maria Thereza. Teatro Operário na cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento de Informações e Documentação Artísticas, Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1980. Pp.33.

[11]( Ibidem. Pp. 37-38)

[12]RODRIGUES, Edgar. Nacionalismo e Cultura Social. Rio de Janeiro: Laemerte, 1972. Pp.80.

[13]RODRIGUES, Edgar. Nacionalismo e Cultura Social. Rio de Janeiro: Laemerte, 1972. Pp.81.       

[14]PASSETI, Gabriel. Cultura no Brás no Início do Século: Teatro anarquista e cinema burguês. Disponível em: www.klepsidra.net/teatroanarquista. Acessado em: 11/06/09.

[15]SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao teatro brasileiro: 1895-1964. São Paulo, Quíron; Brasília, INL: 1976. Pp. 61.

[16]PINHEIRO, Paulo Sérgio & HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil. São Paulo: Alfa Omega, 1979. Pp.129.

[17]LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Editora Claridade, 2003, p19.

[18]HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem patrão!: memória operária, cultura e literatura no Brasil/ Francisco Foot Hardman. - 3. ed.rev.e ampli. - São Paulo: Editora UNESP, 2002, p.55.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Relato de Experiências em Pesquisas e produções de vídeos sobre Danças e Artes Marciais *


      Antes de apresentar o relato dessa experiência, realizada em uma escola pública municipal na periferia da cidade de Uberlândia, Minas Gerais, em 2011, eu gostaria de colocar algumas ideias sobre como vejo as possibilidades de práticas educacionais anarquistas como propostas pelo Coletivo Mundo Ácrata. Esses pontos já foram explicitados pelo coletivo anteriormente (vejam nossa “Carta de princípios” no blog wwwacrata.blogspot.com), mas não custa nada esclarecer de novo.
      Um dos objetivos do grupo – mas não é o único - é tentar experimentar formas de educação anarquista possíveis em espaços sociais já estabelecidos, como nas escolas públicas estatais. Estes são os locais onde a imensa maioria das crianças e jovens acaba caindo para receber a dita “educação” formal, seja por força das condições de vida ou por força de lei, já que no Brasil não matricular os filhos ou por quem se é responsável na escola é tido por crime de “abandono intelectual” e pode chegar à perda da guarda do “menor”.
       Não acredito na escola como local privilegiado e específico de educação, muitas vezes a praça do bairro em que a menina vai brincar, a lojinha de aviamentos da mãe que o filho ajuda a cuidar à tarde ou a sala de espera que o adolescente fica na enfermaria por cinco horas, três vezes por semana, esperando o avô na hemodiálise são espaços educacionais muito ricos (e às vezes muito tristes...). A escola escolariza, ou pelo menos seria essa sua função principal. Entendo “escolarizar” como ação de criação de conhecimentos de forma mais sistematizada; tipos de conhecimento diferentes, aqueles mais difíceis de construir nos locais de convivência cotidiana da pessoa. Por exemplo, em minha convivência mais imediata, eu não teria ninguém para me ajudar a aprender inglês.
        Mas a escola também educa. Não porque seja uma de suas funções especiais, ela educa na mesmíssima proporção de qualquer outro espaço social onde a pessoa se encontre com outras e conviva com elas: faça amizades ou inimizades, tenha que cooperar na realização de alguma atividade, lide com diferenças de opinião, de jeitos de ser, encontre outros indivíduos que se coloquem como autoridades por algum motivo qualquer. Ou seja, a educação na escola é correlata a que eu teria no meu trabalho na marmoraria ou no grupo de samba-de-roda que participo no bairro.Portanto, a escola é apenas um espaço educacional em que podemos intervir. Talvez ela esteja sendo privilegiada até agora pelas propostas do Coletivo Mundo Ácrata por ser o espaço onde a maioria de nós atua ou pretende atuar, mas nada garante que seja sempre assim.
         Outro ponto que gostaria de esclarecer. Como dito, um dos objetivos do grupo é experimentar formas de educação anarquista também nas escolas públicas já existentes (e não, pelo menos por enquanto, fundar uma escola alternativa ou atuar em espaços próprios como em centros culturais), entretanto, é preciso que fique bem clara esta proposta de experimentação.Não acredito em uma formalização da educação anarquista. Procedimentos, receitas, princípios, métodos, ou seja lá o que for que acabe por cristalizar e limitar possibilidades que são variáveis para cada momento e realidade. Melhor seria deixar sempre no plural – formas educacionais anarquistas – para evitar que nos amarremos (já temos amarras de sobra dentro da própria escola!). Desse modo, o companheiro sensato perceberá que as experiências educacionais, as atividades e iniciativas relatadas aqui não serão funcionais para outras realidades. E nem devem ser, pois tudo deve ser fruto da construção conjunta de todos os envolvidos no processo educacional: esperar, por exemplo, que os estudantes, professores ou pais de uma escola tenham os mesmos interesses, angústias e decisões de outra instituição é uma ingenuidade que devemos superar.
Assim, o que em determinada circunstância pode ser uma iniciativa de um professor que demande imenso esforço e dificuldades para um pequeno passo rumo à construção coletiva da autonomia e liberdade, em outras realidades poderia ser considerada trivial. Conheço escolas onde o simples fato de o professor tentar reorganizar as carteiras de uma cela de aula, desmontando as filas de observação de nucas, já é um processo complicado e leva a imensos conflitos com a direção da instituição e com colegas professores. Companheiros que desconhecem tal realidade, e com pouca sensibilidade para tentar compreendê-la, até ririam dessa ação se eu a considerasse um exemplo de iniciativa educacional anarquista.
       Os objetivos desses relatos, então, não é o de apresentar modelos, mas incitar a reflexão de cada companheiro (não só os que atuam em escolas) sobre sua atuação, sobre as relações sociais nas quais está envolto e como criar formas de ação que valham para sua realidade específica. Ação para a construção a passos mais ou menos largos, de alcance mais ou menos abrangentes, da autonomia e anarquia.

Link para o download dos Textos e dos Vídeos: 
 Textos:
  Vídeos:

* Por Fabrício Monteiro. Professor de História na Educação Básica da rede municipal de ensino de Uberlândia, MG. Membro do Coletivo Mundo Ácrata. Aos curiosos quanto a sua formação acadêmica: graduado, mestre e doutorando em História (Universidade Federal de Uberlândia) e especialista em Psicopedagogia (Faculdade Católica de Uberlândia).

Experiência com leitura e produção de texto reflexivo




Em 2011 tive a oportunidade de ministrar aulas pela primeira vez em colégios da rede estadual, sendo um na zona periférica de Uberlândia e outro na região central de Tupaciguara. Estas são cidades de portes completamente dispares, sendo Tupaciguara um município de pouco mais que vinte mil habitantes, porém em ambas cidades pude diagnosticar problemas semelhantes, ou seja, ensino público defasado.
Coloquei-me a pensar no que poderia ser o problema: Falta de interesse dos alunos e alunas? Falta de interesse dos educadores e educadoras? Falta de interesse do governo?
Cheguei à conclusão de que há uma parcela de culpa para cada um destes e muitos outros como a família, sociedade, economia, cultura, etc... A lista de problemas é muito extensa, mas como Descartes propõe, em sua segunda regra do método, a melhor forma de solucionar um problema complexo é dividindo o mesmo em tantas partes simples forem possíveis. Não acreditando em receitas de bolo, mas levando em conta a experiência desse ilustre filósofo francês, resolvi me valer de tal método e desta forma me dispor a analisar uma pequena fatia da torta: os alunos e alunas.
Por um tempo me dispus, enquanto ministrava as aulas, a observar o comportamento destes estudantes, aos poucos pude perceber um problema, já apontado pelo companheiro Monteiro Fabrício no relato de suas experiências com a educação, que é o problema de turmas muito grandes para sala de aula muito pequenas. Um outro problema ainda mais grave é fato de que salas com tantos estudantes não permite ao educador respeitar a individualidade daqueles com o qual se compromete a desempenhar um trabalho qualitativo. Salas cheias geram tensão e desconforto nos estudantes, frustração nos educadores e desgaste geral.
Um segundo ponto que também pude observar, é o estado defensivo no qual estes estudantes se mantêm, encarando o educador ou educadora como o ser maléfico que quer abrir a suas mentes e enfiar miríades de conhecimentos inúteis para sua construção educacional, desta forma fica de um lado o educador ou educadora caminhando a curtos passos por temer aquele adolescente que até então lhe é uma incógnita e de outro lado o aluno ou aluna que se defende de tal bruxo. Estes estereótipos parecem terem se tornado comuns nas escolas e fazer com que tais preconceitos desapareçam é mesma dificuldade de se lutar contra qualquer outro tipo de preconceito.
E o terceiro e ultimo problema que elencarei nessa breve comunicação e qual pretendo discorrer, que é o problema de formação.
No dois últimos meses do ano letivo de 2011 um grupo de professores no qual eu estava presente resolveu montar um grupo de estudos que envolvessem alunos e alunas, assim como professores e professoras, na tentativa de despertar uma busca séria e embasada pelo conhecimento. Cada um destes professores e professoras fizeram convites abertos às suas turmas para participarem deste grupo de estudos de forma livre e espontâneas. Como já era esperado pelos organizadores e organizadoras o saldo de pessoas foi mínimo, mas como já mencionei, isto já era esperado. Aquelas pessoas que apareceram, foram motivadas pela curiosidade de saber o que era um grupo de estudos e o que seria estudado. A principio não tínhamos decidido o que estudaríamos, pois Cada professor e professora  ministravam disciplinas diferentes e cada aluno e aluna se interessavam por áreas diferentes.
Foi de uma destas análises da formação educacional que saiu o primeiro modulo de estudo deste grupo, ou seja, este grupo partiu da dificuldade que grande parte dos e das estudantes tinham em fazer leitura, refletir e produzir textos de forma autônoma.
Desta forma decidimos que nesses primeiros contatos faríamos a leitura de uma metodologia de leitura e produção de textos, de forma que os membros deste grupos desenvolvessem técnicas para leitura, resenhas, fichas, artigos, abstração, crítica e muitas outras técnicas que pudessem contribuir para autonomia, autoconfiança, reflexão e liberdade para o ou a estudante. Um dos objetivos do grupo de estudos é eliminar o abismo ilusório que há entre ambos os lados, diminuir ao máximo o índice de analfabeto funcionais, inspirar a pesquisa, de forma que quando alunos, alunas, professores e professoras carecerem de desenvolver projetos de pesquisas, mestrado, doutorado, entre outros, estes ou estas tenham se familiarizado, relembrado ou atualizado, normas como ABNT, necessárias para tais.
O objetivo do grupo não é tornar seus integrantes especialistas em normas, mas sim mostrar a existência de tais e por começar uma pesquisa, um artigo, uma resenha, etc.; além da produção de artigos, comunicações, crônicas, e produções do gênero à escolha do ou da estudante no decorrer do semestre, de modo que semestralmente ou anualmente aja material para a publicação de um periódico em tal escola. 
Como estávamos no final do ano organizamos poucos encontros e o grupo somava cerca de oito pessoas entre professores, professoras e estudantes. O curioso é que logo após as primeiras reuniões outras pessoas passaram a se interessar pelo que estava acontecendo, por influência dos próprios alunos e alunas. Outro fator importante que pudemos observar também foi o fato de que estes estudantes mudaram suas posturas durantes as aulas, passando a participarem mais das aulas. Estes estudantes passaram a ter autonomia e assumir voluntariamente responsabilidades, que vão desde a saída da sala de aula para irem ao banheiro, à conversar durante a aula. Estes alunos e alunas exerceram influência em seu meio de forma muito positiva, pelo pouco que pude observar.
Acredito que esta e outras práticas nas escolas poderiam provocar fortes e positivos impactos na educação em modo geral, ainda mais se houver ajudar de familiares, funcionários e funcionárias da escola. Não digo isso como uma proposta milagrosa, mas sim como algo a se pensar e caso não funcione, não se exima de mudar os planos, afinal se conseguirmos contribuir em uma mínima vírgula para positivo o nosso tempo, já seria esta vírgula uma revolução.
É importante ressaltar que este grupo de estudos é voluntário e conta com a iniciativa de pessoas que lutam por um mundo melhor.

Marcelo Silva, professor de filosofia da rede estadual de ensino de Tupaciguara, MG. Graduando em filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Coletivo Mundo Ácrata.