quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Quem somos




O Coletivo Mundo Ácrata formou-se em fins de 2010 e de lá para cá vem firmando-se enquanto grupo e definindo suas estratégias e espaços de atuação. Entre aquele primeiro ano e meados de 2011, realizamos um inicial Curso Livre de Anarquismo, dividido em módulos mais ou menos mensais em que discutimos sobre alguns “clássicos” do anarquismo (Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Rocker).
Aquela primeira atividade possuiu um objetivo duplo. Realizada no interior da Universidade Federal de Uberlândia, pretendíamos fazer notar que há ainda ali um interesse pela política anarquista: acontece que, através de seu Instituto de História, ao longo de muitos anos uma considerável produção acadêmica sobre o anarquismo foi sendo produzida, mas nos últimos tempos suas monografias, artigos, dissertações e teses foram cada vez mais relegadas à poeira dos arquivos e de nosso Centro de Documentação (ou à deriva no infinito mar de dados dos arquivos eletrônicos). Produção acadêmica não indica produção de ação política, mas é uma das formas de manter viva a presença do anarquismo na sociedade e uma possível porta de entrada para a militância hoje em dia.
Nosso segundo objetivo com o Curso Livre foi criar uma oportunidade de autoformação inicial do grupo. Autoformação em um sentido de lançar um espaço onde pudessem encontrar-se indivíduos com um anseio de liberdade nas veias e vontade de atuar em sua construção e também em um sentido de discutir melhor entre aqueles nós, que propúnhamos a compor o Coletivo, o que entendíamos por anarquismo e as possíveis vias de ação de acordo com nossa realidade.
Nossa avaliação da atividade foi extremamente positiva. Tivemos um número satisfatório de interessados em saber mais sobre o tema e algumas pessoas que passaram inclusive a fazer parte do Coletivo (enquanto um número ainda maior de pessoas que inicialmente pretendiam formar o grupo fora desaparecendo aos poucos, o que é recorrente nesse tipo de organização!). Após uma malfadada tentativa de realização de outro evento no interior dos muros da Universidade – desta vez o interesse mostrou-se quase nulo, não sabemos se por alguma falha de divulgação, por ser momento de greve de funcionários e professores ou porque simplesmente ninguém agradou mesmo da proposta de Oficinas – passamos a conversar melhor sobre nossas possibilidades de atuação.      
O ponto de partida para essa reflexão foi a pergunta: onde a maior parte de nós já está atuando ou atuará em um futuro próximo? A maioria dos integrantes do Coletivo Mundo Ácrata compõe-se de professores ou destes em “formação”; o que percebemos como um pensamento em comum seria, então, a consideração da educação como um viés político de possibilidade de intervenção cotidiana.
Educação não significa necessariamente “escola”. A construção conjunta de estratégias e alternativas junto a moradores de um bairro para resolverem seus problemas é educação, a atuação sindical envolve educação e diversas outras alternativas. Porém, o espaço social que se mostrou mais familiar e comum ao grupo no momento, e, portanto, mais propício à experimentação política ativa, foi a instituição escolar.     
Experimentação junto a alunos que têm motivos específicos para estarem ali (que podem ir desde “gostar de estudar” até “venho porque o conselho tutelar ameaçou tirar minha guarda de minha mãe se eu não viesse”); outros professores que têm motivos específicos para estarem ali (que podem ir desde um genérico “penso que a educação escolar pode fazer alguma diferença” até “trabalho aqui só para sobreviver, não consegui passar no concurso do Tribunal Regional”); diretoria e supervisão que se tencionam entre afirmarem-se ainda “professores” e atuarem de fato como meros burocratas do Estado; pais que gangorram entre confiar em alguma utilidade social da escola para seus filhos e nem saber mais direito para que serve a escola além de um depositário de crianças e adolescentes enquanto os adultos trabalham. Querem um ambiente mais ricamente político que esse? Mais desafiador para qualquer militante anarquista? Duvidamos que Edgar Leuenroth ou Neno Vasco conseguiriam atuar tão belamente como fizeram em sua época se estivessem em uma escola pública de hoje!
Essa última frase foi obviamente uma provocação. O que queremos dizer é que muitas vezes os anarquistas de hoje vêem a atuação com a educação, especialmente a escolar, como algo mais “fácil”, feita por militantes que não conseguem ou não têm coragem o suficiente para atuar nos “verdadeiros” movimentos da sociedade. Afirmamos, porém, que não há ambiente mais conflituoso, complexo e no centro da “ordem do dia”, em termos de potencial para movimentar a sociedade, que este. Aquela visão acontece porque percebemos que mesmo alguns anarquistas que são professores, quando entram em uma sala de aula esquecem o anarquismo do lado de fora e realizam atividades com seus alunos, colegas professores, pais e direção como qualquer outro professor liberal que quer passar conteúdos previamente apostilados sobre seres passivos sentados em carteiras enfileiradas.
 Não refletem sobre formas libertárias de construção conjunta de conhecimento; não pensam sobre suas posturas e posicionamentos, por exemplo, nas reuniões de professores quando alguma decisão tem que ser tomada; não criam alternativas sobre como falar com um pai em uma reunião sobre o filho “bagunceiro” de modo a não simplesmente colocar a culpa no jovem por ele se revoltar contra a coisa sem sentido que é sua escola; colocam a culpa e esperam soluções dos problemas da escola vindas dos governos, sem tentar mobilizar minimamente aquela que é, de fato, a maior força naquele ambiente, os seus próprios alunos. E por aí vai...
 O que pensamos que falta entre esses anarquistas é enxergar a educação também em seu potencial verdadeiramente político e não “cultural” como gostam de falar: em um sentido de “coisa secundária” a ser resolvida na sociedade, cujas transformações “não encheriam a barriga” dos necessitados ou que não teriam a mesma importância de outros movimentos sociais em termos revolucionários e autorganizativos das pessoas.
 Dessa forma, falta hoje, a nosso ver, entre os anarquistas em geral uma militância cotidiana, dura e persistente na educação, mais ainda dentro das escolas. Falta uma rede de comunicação, de troca de experiências, de reflexão político-pedagógica, de produção de conhecimento, de criação coletiva de alternativas de atuação no cotidiano escolar, de apoio mútuo, de centros de referência organizativos entre educadores anarquistas. Não falamos de linhas de pesquisa universitárias sobre educação anarquista, mas algo construído por educadores anarquistas cuja militância é cotidiana, persistente e real na sociedade. Também não almejamos apenas criar aulas mais “liberais”, “light” ou “agradáveis” para os alunos, e sim construir em conjunto com outros indivíduos do amplo espaço escolar (para além dos muros do prédio em si) alternativas de contestação, auto-organização e auto-educação.  
 O Coletivo Mundo Ácrata almeja ser um grupo que funcione gradativamente como essa rede de educadores anarquistas e libertários (aquela palavra de sentido mais amplo, muitas vezes útil para pessoas preferem não se definir anarquistas). Sua síntese de propostas inicia s são as seguintes:
• Funcionar como um grupo de estudos para autoformação, tendo em vista refletir sobre a educação anarquista (não significa debater apenas temas pedagógicos, mesmo estudando o sindicalismo, a arte, a psicologia, a história, a teoria anarquista subsidia-se a ação educacional em sentido amplo).
• Funcionar como um grupo de criação e divulgação de alternativas de atuação para educadores. Através de trocas de experiências mútuas e discussão coletiva, trabalhar na elaboração de sugestões de aulas, atividades inter e extra disciplinares (fora completamente dos currículos oficiais), alternativas de posicionamento do educador frente a alunos, pais, colegas, governo etc. tendo em vista a auto-organização e auto-educação. Não se trata de criação de “receitas” para a atuação do outro, mas incitar a reflexão de cada um sobre práticas de companheiro que já estão dando certo, ou que potencialmente poderiam dar certo, para a sobreposição da sugestão por cada educador em sua realidade.
• Funcionar como um meio de propaganda do anarquismo como alternativa pedagógica e educacional. Isso só poderá ser bem realizado através de experiências concretas - individuais e coletivas - para que não se caia na pura propaganda teórica. De nada adiantaria, no mesmo sentido, nossa atuação em espaços “aclimatados” de um, por exemplo, “espaço cultural” onde apenas aqueles já interessados apareceriam para atividades pré-selecionadas. Almejamos a atuação em situações comuns à grande maioria dos educadores: escolas públicas, em sua maioria super-lotadas, repletas de problemas de ordem burocrática e infra-estrutural etc. Se, como anarquistas, não conseguirmos atuar em espaços sociais onde realmente está o problema, as propostas anarquistas serão apenas mais uma bela teoria, praticável apenas em circunstâncias ideais e irreais.  
• Funcionar como uma rede de comunicação e contato entre educadores que têm suas experiências, reflexões e esperanças em uma atuação anarquista e/ou libertária, mas que muitas vezes podem se sentir solitários em seu trabalho (e acabam desistindo por isso). Também seria um meio de fazerem-se encontrar essas pessoas para a organização de ações conjuntas. 
Com isso, em resumo, o Coletivo Mundo Ácrata propõe-se a uma atuação ao mesmo tempo individual e coletiva. Uma militância cotidiana constante nas atividades e trabalhos de cada um de seus integrantes, mas que através do grupo seja potencializada como uma atuação social que extrapole a nós mesmos e envolva criação, comunicação, propaganda, reflexão, organização coletiva de outras pessoas tendo em vista uma educação e uma sociedade anarquistas.            

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