sábado, 7 de dezembro de 2013

Anarquistas no Sindicato – Um Debate entre Neno Vasco e João Crispim




Durante a IV Feira Anarquista de São paulo, a Biblioteca Terra Livre e o Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri lançaram o livro Anarquistas no Sindicato – Um Debate entre Neno Vasco e João Crispim.Um membro do Coletivo Mundo Ácrata, Thiago Lemos, escreveu o prefácio da referida obra.
Abaixo segue uma apresentação do livro, escrita pelos coletivos que lançaram o livro. Para adquirí-lo, basta entrar em contato com a Biblioteca Terra Livre e o Núcleo de Estudos Carlo Aldegheri, ou então com a distribuidora Mundo Ácrata através de nosso e-mail.
Título: Anarquistas no Sindicato – Um debate entre Neno Vasco e João Crispim
Autor: Neno Vasco e João Crispim
Editora: Biblioteca Terra Livre/Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri
Idioma: português
Ano: 2013
Páginas: 110

“Preservar, resgatar e compartilhar a memória e história do movimento anarquista e de seus vários militantes é um dos pontos fundamentais para a existência e conservação das bibliotecas e arquivos, mantidos pelos libertários no decorrer dos tempos. Os grupos de estudos ácratas vasculham esses acervos, atentam seus olhos e suas mãos aos títulos das estantes. Folheiam livros e jornais e conectam-se ao passado trazendo ao presente nomes e fatos esquecidos, apagados ou distorcidos pela história oficial.

Prática de ação direta, reconhecer os documentos libertários como referenciais de uma época, escritos e distribuídos por seus próprios autores; livres das amarras metodológicas e pragmáticas do controle academicista; esses acervos se compõem das marcas de um passado de lutas. Nestes documentos, registraram-se as vozes dos inúmeros lutadores sociais, anarquistas e operários, homens e mulheres livres, que buscaram emancipar-se por si mesmos. Nestes espaços de preservação da memória anarquista, e no desenvolver dos grupos de estudos neles inseridos, o passado e o presente se encontram, surgindo, assim, a compreensão ou dedução da atuação militante de outros tempos.

Este livro é resultado dos encontros e conversas entre o grupo de estudo Movimento Operário Autônomo da Biblioteca Terra Livre e do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri, buscando compreender as diferentes formas de atuação dos anarquistas dentro dos sindicatos no Brasil no inicio do século XX. Para tanto, foi realizada um pesquisa nas paginas do jornal A Voz do Trabalhador, periódico da Confederação Operária Brasileira, onde pudemos encontrar no ano de 1913 o franco debate entre os ácratas Neno Vasco e João Crispim acerca das táticas e práticas de organização dos sindicatos pelo viés anarquista.

Tal debate, que se prolonga até 1º de novembro de 1914, com uma exaltada conversação, discorre sobre a melhor forma de organização do operariado. Várias conquistas tanto no campo econômico, quanto reivindicações e combates no campo social, foram fruto dessa organização – como aumentos salariais, redução da jornada de trabalho, limitação do trabalho infantil, as posições contrárias à carestia de vida, à guerra mundial, o aumento dos aluguéis – a proposta da greve de inquilinos – e o combate à falsificação dos gêneros alimentícios. Nesse processo ocorreram não apenas diversas conquistas como também dolorosas derrotas, causadas (dentre outros motivos) pela reação estatal, marcada por prisões, deportações, perseguições e, inclusive, mortes.

Do debate entre Crispim e Vasco podemos tirar muitas lições, sendo uma delas a compreensão das diversas formas de atuação dos anarquistas nas sociedades de resistência. O debate em questão nos faz perceber como a atuação anarquista nesses espaços foi plural e decisiva, por isso que ao estudarmos o movimento operário e seus agentes históricos não devemos negligenciar a atuação de militantes anarquistas nesses espaços de resistência ao capitalismo, seio do conflito entre capital e trabalho. Essas pesquisas nos revelam a importância da luta de classes para os anarquistas, assim como suas atuações em outras esferas da vida.

No que concerne especificamente ao movimento operário, alguns militantes anarquistas reivindicavam o sindicalismo revolucionário como forma estratégica de ação junto aos trabalhadores, fossem eles anarquistas ou não, impulsionando as lutas por melhores condições de trabalho e de vida, ficando clara e patente sua influência nos diversos movimentos grevistas e, é claro, na Greve Geral de 1917.
Todavia essa não era a única forma de atuação dos anarquistas no sindicato. Os militantes anarquistas possuíam tanta influência nos meios operários que no 2º Congresso Operário Brasileiro em 1913 foi proposto a incorporação do projeto político Anarquista de maneira programática.

Apesar dessa proposta ter sido rejeitada, em detrimento do uso do sindicalismo revolucionário como estratégia de ação, ela se torna sintomática ao nos revelar como o anarquismo era amplamente debatido nos meios sindicais. Tal proposta tinha como horizonte de experiência a atuação da Federação Operária Regional Argentina, a FORA.

Nessa organização o Comunismo Anarquista foi incorporado de maneira programática aos estatutos e sua história é repleta de movimentações num sentido radical. Por esse motivo podemos dizer que a ação dos militantes dessa organização era legitimamente anarco-sindicalista. Assim como a FORA, a Federação Operária Local de Santos aderiu programaticamente ao Anarquismo e é justamente por conta disso que podemos dizer que o anarco-sindicalismo foi de fato uma experiência histórica da classe operária no Brasil e não apenas um mero erro interpretativo historiográfico.

Apesar da clara discordância da forma de atuação no sindicato entre Neno Vasco e João Crispim, ambos eram anarquistas sinceros, e sinceros também eram os desejos de ambos na transformação radical da sociedade num sentido onde privilegiasse os princípios de igualdade econômica, autonomia política e solidariedade entre todos os povos. Revolver do passado esse debate é retomar uma questão que se faz fundamental no momento presente, atualidade marcada por mobilizações de rua e crescimento dos movimentos populares e sociais, nos levando pensar, refletir e analisar estratégias de como atuar e solidarizar com todas essas lutas. Apesar da maioria desses movimentos construírem um discurso político onde se autoproclamam “antiautoritários”, “horizontais” e “autonomistas”, todos eles se inscrevem dentro de um movimento muito mais amplo, dentro de um processo do próprio fazer-se do movimento anarquista. Podemos dizer que assim como os anarquistas de outrora fizeram uso do sindicalismo revolucionário como estratégia de ação, os anarquistas de hoje fazem uso do autonomismo, por exemplo, para melhor dialogarem com a sociedade como um todo, colocando em debate e em prática os princípios de ajuda mútua, federalismo (ou em linguagem mais atual “organização em rede”), autogestão, ação direta e autonomia. O movimento anarquista segue tencionando, ontem e hoje, em constante diálogo com a sociedade em geral, não se fechando em castelos acadêmicos e muito menos em fortalezas partidárias.

***

Temos ciência de que toda vez que revisitamos o passado o indagamos com preocupações que possuímos no presente, por isso sabemos que ao “resgatarmos” a história do movimento operário e, consequentemente, a história do movimento anarquista no Brasil, não resgatamos apenas a memória de um movimento e de militantes isolados que lutaram por melhores condições de existência. O que militantes anarquistas da Biblioteca Terra Livre e do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri desejam realizar com essa pesquisa é entrever e vislumbrar o mundo que homens e mulheres do movimento operário e anarquistas carregavam em seus corações e que construíam, coletivamente, nas experiências concretas de suas vidas cotidianas, atualizando-os sob novas circunstâncias e experiências do mundo contemporâneo. Tal atualização, promovida pelas palavras de nossos antigos companheiros e companheiras, nos fazem ver para além do que está posto, para além da cegueira promovida pela própria luz do contemporâneo. Acreditamos que ao socializarmos a leitura desses documentos, consigamos evocar os sonhos de companheiras e companheiros que combateram em tempos idos, dando-lhes a oportunidade de falar de suas tristezas, alegrias e experiências de luta que respondem aos erros e esquecimentos do presente.”

Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri e
Biblioteca Terra Livre
Julho de 2013